O acesso ao Saneamento Básico ainda é um desafio para milhões de brasileiros que vivem em áreas rurais e comunidades tradicionais, como povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, e tantos outros. Embora a atualização do Marco Legal do Saneamento, por meio da Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020, tenha como meta uma universalização do saneamento até 2033, os caminhos para a concretização desse plano nessas regiões requerem abordagens específicas, sensíveis e adaptadas ao contexto local.
Além das dificuldades técnicas, é fundamental considerar aspectos culturais e históricos na formulação e implementação de políticas públicas. Infelizmente, não é raro que essas políticas desconsiderem a autonomia e os saberes tradicionais dessas populações, propondo soluções que não dialogam com suas práticas culturais e modos de vida.
Ao contrário das áreas urbanas, as áreas rurais e de comunidades tradicionais no Brasil enfrentam dificuldades particulares, desde a baixa densidade populacional atrelada a dispersão geográfica, até a carência de infraestrutura e a limitada oferta de apoio técnico. Segundo os dados apresentados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), do ano de 2023, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aproximadamente, 30% dos domicílios em áreas rurais têm acesso à rede de abastecimento de água, e menos de 10% tem acesso à rede de esgotamento sanitário.
Nesse cenário, a adoção de tecnologias sociais e modelos descentralizados tem se tornado uma solução mais esperançosa em comparação com os grandes sistemas convencionais. Soluções como fossas sépticas biodigestoras, banheiros secos, cisternas de placas, filtros biológicos, entre outros, são alternativas de baixo custo, simples manutenção e grande potencial de adaptação às condições locais. Essas soluções ganham ainda mais força quando aliadas a capacitação técnica local, promovendo autonomia e garantindo que as soluções sejam sustentáveis a longo prazo.
A Política Nacional de Saneamento, juntamente com as atualizações trazidas pelo Marco Legal, reconhece a necessidade de estratégias para as áreas rurais. Desse modo, iniciativas como o Saneamento Brasil Rural e o Programa Cisternas são exemplos de ações voltadas para atender essas populações, com foco na universalização dos serviços e no respeito à diversidade territorial e cultural.
Entretanto, a efetividade e continuidade dessas políticas dependem de financiamento adequado, da atuação articulada dos entes públicos e da participação ativa das comunidades. Municípios de pequeno porte, por exemplo, frequentemente enfrentam dificuldades para elaborar projetos, captar recursos e executar ações de saneamento.
Para que as soluções sejam duradouras e efetivas, é essencial ouvir e valorizar o protagonismo das comunidades atendidas. A participação social no diagnóstico, na escolha das soluções e no acompanhamento das ações fortalece o vínculo entre a população e as iniciativas em curso, contribuindo para sua manutenção e constante aprimoramento.
Projetos como o Bahia Azul e o Saneamento é Vida, no semiárido nordestino, e ações do Instituto Trata Brasil voltadas a comunidades quilombolas e indígenas, demonstram que é possível construir soluções contextualizadas, participativas e economicamente acessíveis. Tais iniciativas têm em comum o respeito à cultura local, o uso de tecnologias apropriadas e o suporte técnico contínuo.
O saneamento rural é um dos maiores desafios do Brasil contemporâneo na promoção da justiça social, da equidade territorial e da sustentabilidade ambiental. Superar as barreiras do setor nessas comunidades é garantir saúde, dignidade e qualidade de vida a populações historicamente excluídas das políticas públicas.
Universalizar o saneamento é, também, reconhecer e valorizar a diversidade do Brasil — e isso começa com o compromisso de incluir todos os territórios no planejamento e na execução das soluções.
REFERÊNCIAS
BAHIA. Saneamento. Salvador: Secretaria do Planejamento do Estado da Bahia – SEPLAN, 2010. Disponível em: https://www.ba.gov.br/seplan/sites/site-seplan/files/migracao_2024/arquivos/wp-content/uploads/20100302_154159_04_Saneamento.pdf. Acesso em: 21 jun. 2025.
BRASIL. Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020. Institui o novo marco legal do saneamento básico. Diário Oficial da União: Seção 1, Brasília, DF, 16 jul. 2020. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l14026.htm. Acesso em: 20 jun. 2025.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Em 2023, um em cada três domicílios rurais era abastecido por rede geral de água. Agência de Notícias IBGE, 19 mar. 2024. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/42292-em-2023-um-em-cada-tres-domicilios-rurais-era-abastecido-por-rede-geral-de-agua. Acesso em: 20 jun. 2025.
INSTITUTO TRATA BRASIL. Relatório de atividades 2022. São Paulo: Instituto Trata Brasil, abr. 2024. Disponível em: https://tratabrasil.org.br/wp-content/uploads/2024/04/Relatorio-de-Atividades-2022_V5_21.11_paginado.pdf. Acesso em: 21 jun. 2025.
Foto: Trata Brasil